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Síndrome do Fantasma: o que herdamos sem perceber

  • Foto do escritor: Rui Terrinha
    Rui Terrinha
  • há 5 dias
  • 5 min de leitura
Mulher jovem sentada num sofá, com expressão pensativa e preocupada, enquanto atrás dela surge uma névoa difusa em forma humana, simbolizando a presença invisível de memórias familiares e o peso emocional da Síndrome do Fantasma na psicogenealogia.

Nem todos os fantasmas vivem em casas assombradas. Alguns vivem dentro das famílias. Silenciosos, invisíveis e persistentes. São segredos, traumas e dores que ficaram guardados no inconsciente familiar e continuam a manifestar-se nas gerações seguintes, à espera de serem reconhecidos.


A psicogenealogia chama-lhes fantasmas familiares.O conceito tem origem nos estudos dos psicanalistas Nicolas Abraham e Maria Torok, nos anos 1970. Eles observaram que certos sintomas emocionais e comportamentos repetitivos não pertenciam apenas à história pessoal do paciente, mas também a factos não resolvidos da sua linhagem familiar.

Chamaram a este fenómeno Síndrome do Fantasma, descrevendo-o como o retorno inconsciente de acontecimentos que não puderam ser ditos, simbolizados ou elaborados por um antepassado.


Segundo Abraham e Torok, o segredo que não pode ser partilhado transforma-se numa espécie de cripta, uma cápsula psíquica que o inconsciente tenta preservar. O descendente, sem saber, acaba por herdar essa cápsula emocional, sentindo emoções, culpas ou ansiedades que não têm origem na sua própria vida. É como se vivesse um guião que não escreveu.


As raízes do conceito


A ideia de que as emoções e os traumas podem atravessar gerações não é nova. Na cultura popular, sempre se falou de “maldições familiares” ou “destinos repetidos”. Mas foi Anne Ancelin Schützenberger, psicoterapeuta francesa, quem deu forma prática a esta intuição ao criar o genossociograma, uma ferramenta que permite visualizar os padrões transgeracionais.


Com ela, a psicogenealogia passou a investigar de forma estruturada os vínculos entre datas, nomes, profissões, doenças e acontecimentos significativos de várias gerações. Schützenberger dizia que “aquilo que não se exprime, imprime-se”. Uma frase simples que resume o que Abraham e Torok chamaram de Síndrome do Fantasma.


O que é um fantasma familiar


Um fantasma familiar é algo oculto na história da família. Surge quando alguém vive um acontecimento demasiado doloroso e o tenta apagar — por vergonha, medo ou para proteger os outros. Pode ser uma perda, um aborto, uma infidelidade, um crime, uma doença mental, um abuso, uma falência ou qualquer situação vivida com dor e mantida em segredo.


Quando a verdade é silenciada, cria-se um vazio no inconsciente coletivo. E esse vazio precisa ser preenchido. O que não se diz transforma-se em eco, e esse eco manifesta-se mais tarde em quem veio depois, muitas vezes sem que haja consciência disso.


Na prática, um descendente pode sentir emoções, medos ou culpas que não têm explicação na sua vida atual. É como se carregasse algo que não lhe pertence, mas que insiste em ser reconhecido.


Quando nasce um fantasma


Um fantasma nasce quando há um corte entre o que foi vivido e o que foi dito. A pessoa viveu o trauma, mas não o pôde elaborar. No seu silêncio, criou-se uma história incompleta.

Entre as origens mais comuns encontram-se homicídios, suicídios, abusos, violações, abortos, filhos não reconhecidos, filhos dados em adoção, infidelidades, uniões proibidas, homossexualidade reprimida, expulsões familiares, prisões, exílios, falências ou perdas não choradas.


Mesmo que esses factos tenham ocorrido há muito tempo e ninguém os mencione, o sistema familiar conserva o registo emocional. Essa informação circula como uma mensagem inconsciente, à espera de ser decifrada por alguém.


Como se manifesta a Síndrome do Fantasma


Os fantasmas familiares não se veem, mas sentem-se. Costumam manifestar-se de forma subtil, através de três sinais principais.


  • Silêncios. Temas de que ninguém fala, histórias cortadas, nomes que desaparecem das conversas, fotografias onde alguém foi apagado.

  • Repetições. Doenças semelhantes em diferentes gerações, relacionamentos que terminam sempre do mesmo modo, acidentes ou perdas em datas parecidas.

  • Incoerências emocionais. Tristezas sem explicação, medos irracionais, sensação de culpa sem motivo, dificuldade em afirmar a própria identidade.


Estes sinais são indícios de que há uma memória antiga a pedir reconhecimento.É como se o inconsciente familiar dissesse: Diz por mim o que eu não pude dizer.


Quando o corpo fala o que a mente cala


O corpo tem memória, mesmo quando a mente já esqueceu. É por isso que muitos fantasmas familiares se manifestam através de sintomas físicos ou padrões de tensão sem causa aparente. O corpo torna-se mensageiro do que ficou sem palavras.


Em consultas de kinesiologia transgeracional, é comum ver como o teste muscular revela desequilíbrios ligados a memórias familiares. Um bloqueio que parecia emocional pode estar associado a uma história ancestral não reconhecida, uma perda, uma injustiça, uma exclusão. Quando essa informação é trazida à consciência, o corpo relaxa. É como se finalmente pudesse respirar depois de anos a conter algo que não era dele.


O papel do genograma


O genograma é uma ferramenta essencial para compreender o rasto de um fantasma. Funciona como um mapa de relações familiares que revela coincidências entre datas, idades, nomes ou acontecimentos. Através dele, é possível descobrir, por exemplo, que um neto nasceu na data em que o avô morreu, ou que várias mulheres da família repetem o mesmo tipo de relação afetiva.


Essas coincidências não são aleatórias. São pistas deixadas pelo inconsciente familiar, uma forma simbólica de manter viva a história que foi esquecida.


Como libertar um fantasma


O objetivo da psicogenealogia e da kinesiologia transgeracional não é “expulsar” o fantasma, mas dar-lhe um nome e um lugar. O que foi negado precisa de ser reconhecido, e o que foi excluído precisa de ser reintegrado.


Esse processo pode incluir:

  • Reconstruir a árvore genealógica com o máximo de detalhes possível.

  • Investigar histórias familiares sem julgamentos.

  • Nomear e incluir simbolicamente quem foi esquecido.

  • Criar gestos simples de reconhecimento, como escrever uma carta, acender uma vela ou partilhar uma história.


Cada vez que uma verdade é reconhecida com respeito, um ciclo de sofrimento chega ao fim.


Um exemplo simbólico


Imagina uma mulher que, sem perceber porquê, sente uma tristeza profunda sempre que engravida. Nas suas consultas, descobre que a avó teve um aborto forçado e nunca mais falou disso. O segredo ficou preso no inconsciente familiar e reapareceu, anos depois, como uma emoção sem nome.

Ao reconhecer e dar espaço a essa história, a mulher não apenas compreende a sua tristeza, como sente um alívio físico real.O corpo deixa de carregar o que pertencia a outra geração.O fantasma é libertado.


Um convite à consciência


Se percebes que certos padrões se repetem na tua vida, como relações, sintomas, bloqueios ou perdas, talvez estejas a viver a continuação de algo que começou antes de ti. Olhar para o teu genograma é uma forma de compreender o que estás a carregar e escolher o que queres continuar.


Nas consultas de Constelações Familiares ou Kinesiologia Transgeracional, é possível identificar essas memórias herdadas e libertar o que já não te pertence. Quando o passado é visto com amor e respeito, transforma-se em força e sabedoria.


Um fantasma só assombra enquanto é ignorado. Quando é reconhecido, devolve paz à família inteira.



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